04 janeiro 2010

Omeoprazol, Diazepan, Insulina NPH e Regular


O que mais me irrita - e eu não estou falando do cheiro de desinfetante, da comida sem gosto, dos ladrilhos azuis ou das enfermeiras carrancudas - o que mais me irrita em hospitais é a lembrança das ocasiões em que passei a noite em um.

cloc cloc cloc cloc cloc cloc

Chega a enfermeira do turno da madrugada, anunciada pelo barulho do sapato de salto vindo do corredor (incomoda muito). Verifica os batimentos cardíacos no visor do aparelinho ligado ao dedo do paciente e, como se não confiasse no que viu, tira o pulso também. Só então ela nota que eu estou acordado, meio abandonado numa cadeira do outro lado da cama, com um livro chamado "Os Senhore do Norte" no colo sem ler, por causa da pouca (ou nenhuma) luz. A enfermeira pigarreia e cloc-cloqueia pra perto de mim,

"Quer um café?" Não, obrigado. "Eu tô evitando; gastrite, sabe?" Não queria café, queria um chá de boldo. Ou melhor, um chá de habu pra me curar da tosse e me deixar de pé, como diz na música. Queria algo amargo que me tirasse a sensação de estômago embrulhado e queria não estar ali. Queria ficar sentado com meu avô na calçada ouvindo o acordeon e, nas pausas entre uma música e outra, ouvir ele me perguntar se eu não tenho medo de onça no meio do mato.

"Ele vai dormir um pouco. Tomou omeoprazol agora" e diazepan, insulina NPH e regular também. "Pode ficar tranquilo, nenem". Apesar de eu ter dito meu nome duas vezes a enfermeira se recusava a usá-lo. Fiz uma careta, meio protegido pelo escuro. Esperei ela cloc-cloquear pra fora e resolvi dar uma volta. Levantei da cadeira pra procurar meu tênis e só ao calçá-lo percebi que estava com pés de meia diferentes, "Mais um pouco", penso eu, "e eu convenço todo mundo a me internar aqui também". Não faltava muito.

Fui lá fora cheirar ar não desinfetado e ver um pouco de cor que não fosse azul piscina. Ou azul da prússia, tanto faz o nome, o que acontece é que essas cores deprimem a gente. Voltei pouco depois, tomado de medo que ele passasse mal e eu não estivesse no quarto. Encontrei-o acordado, o que era surpresa pela quantidade de remédio que tomou, e cheguei perto da cama dele. "O sapato da enfermeira não deixa a gente dormir". Ri disso. Sentei na cadeira e puxei-a pra perto dele. "Guizim, me diz uma coisa... Você não tem medo de onça?" ele me pergunta. Hoje, vô, meu maior medo é outra coisa.

12 comentários:

Mafê Probst disse...

Carambolas. Arrepiei-me inteira com o conto. Hospitais me causam arrepios de muitas formas diferentes. Tal como tu, fiquei noites. Mas era um amor-amor, e não amor-família.

Teu conto me surpreendeu. Adorei, de formas muito peculiares...

Pâmela Marques disse...

Não tens noção do quanto o teu texto mexeu comigo. Me prendeu do início ao fim. Acredito que esse amor é um dos mais verdadeiros, que permanece ao lado, que quer sempre perto.

Do caramba o teu texto.

eloisa disse...

Que bonito, Guizim, que bonito! Eu também acho que o azul entristece e é por isto que eu não gosto dessa cor. Sabe o que mais me aquece o coração? Não é um eu te amo de quem eu amo, é um riso quente do meu avô, qualquer um deles.

Um beijo pra você!

eloisa disse...

E quanto o teu comentário lá no blog, logo meus olhos voltam a brilhar diamantes.

:)

Anônimo disse...

Guilérme Sanchéz. Nem li. Prometo voltar aqui com calma e ler tudo que ainda não li nesses meus dias de amiga relapsa.
Pra ser sincera eu não lembrava nem do meu blog, hahaha

beijos

eloisa disse...

Tristemente, não é o DVD. haha

Menina_Mulher disse...

Olá!

Pulando entre um blog e outro, me deparo com seu cantinho e me emociono com suas palavas.
Hospitais me lembram cenas de suspense...exatamente como descreveu, cheias de cores mórbidas e sons irritantes.
Porém, assim mesmo persistem os momentos de ternura e amor como os que vivencia com seu vô.

Vida longa pra vcs!

Beijão!

eloisa disse...

Foi.
Eu esqueci de avisar que iria te adicionar, perdão.

Bárbara Grou. disse...

Primeira vez que passo por aqui e me deparo com um texto desses que arrepiam e fazem tremer!
Parabéns menino, você escreve maravilhosamente!
Voltarei mais vezes! :*

Clara disse...

"quem fala é o doutor..." adoro essa música.
eu sempre uso meias de pares diferentes, iguais elas sempre parecem mais solitárias.
ou outra loucura assim,

Flora Ramos disse...

lindo lindo.
passei a madrugada no hospital ontem. nunca é bom.

eloisa disse...

Bom dia! :))

Não lembrei o que queria te dizer, mas sonhei com a lista. hahahaha

Ah, acordei mais cedo que de costume hoje. Vinta minutos para as seis, não preciso falar que invejei. rs