29 maio 2014

vaga-mundo

Vago, divago, translado
Mas a procura de quê,
meu deus?

08 maio 2014

Vinícius ao contrário

Sinto-me um Vinícius ao contrário:

De manhã anoiteço,
De tarde amanheço,
De noite padeço.

Sempre defasado
do meu tempo
Atado
a um passado
que já foi.

19 novembro 2013

(setor de diversões sul, DF)


i

(instituto central de ciências, UnB, DF)

ii

Já faz tanto tempo! 

O Vinícius era um aluno totalmente regular. Regular, acho que essa é a palavra exata. Notas regulares, interesse regular, desempenho regular. Fui sua orientadora no programa de educação tutorial em 2007. Era esforçado, parece que usava a bolsa para ajudar em casa. As vezes gostava de vagabundear no Café das Letras, ali perto do restaurante, sabe? Eu o via frequentemente ali junto de um tipinho esquisito... Bem, nada suspeito, se o senhor me entende. Por outro lado era um rapaz muito esforçado. Veio do interior e morava no entorno. Valparaíso, eu acho. Não... não tenho certeza se ainda morava com a mãe nos últimos dias. Eu perdi o contato quando a vigência da bolsa dele acabou. Trabalhávamos com tradição oral nas tribos paetés...

Sim. Ele sempre quis ser escritor... pelo menos é o que dizia.

Vez ou outra me mostrava uns textos, coisa boba, mas forte. Vibrante. De jovem. Cometia alguns erros de português, mas se o Alquimista faz e vende assim mesmo, não era por isso que eu iria desincentivá-lo, certo? Ele chegou a publicar um texto nesses pasquins de rodoviária. Dessas revistas que vendem por três reais. Elas sobrevivem mais de contrato com anunciantes do que do dinheiro pago pela tiragem. Não, não cheguei a ler o conto do rapaz. Naquela época a universidade estava de cabeça pra baixo, um alvoroço!

Isso. Foi exatamente na época da invasão da reitoria, da deposição do Thomas Holland, pobre coitado. Só era mal assessorado, cercado de mandriões. Pagou o pato. Aliás, pagou a lixeira (risos). Pagou com a credibilidade e a carreira. Dentro da classe docente há bastante gente que o apoia até hoje. Ele era inocente, com toda a certeza.

Sim senhor, exatamente. O Vinícius participou do movimento que invadiu a reitoria. Parece que chegou a edormir lá por lá vários dias. Meus conselhos não adiantaram de nada. E Essa universidade é um pandemônio, o senhor pode perceber. Dão voz a qualquer um, falta um comando. Deu no que deu, veja quem temos hoje aí comandando! (risos)

Qual o interesse mesmo? Sim... compreendo. Eu já imaginava. Soube que ele havia caído do prédio do shopping, mas não sabia que havia a suspeita de crime. E as câmeras, nada? Não funcionavam então? Que absurdo! Mas por que matariam um rapaz tão jovem? Bom, que eu saiba ele não se envolvia com drogas. Mas parece que nos últimos anos ele frequentava o centro acadêmico de geologia. Sim, no bloco B, aqui de frente. Não, não tenho como provar nada, mas há boatos, sabe? São todos vagabundos, eles, os da agronomia, biologia. Péssima influência.

Qualquer novidade o senhor pode me contactar. Isso, Olga Fleury. Éfe érre ê u érre ípsilon. Doutora, sim. Na Sorbonne. Na mesma época do Príncipe dos Sociólogos (risos). FHC, claro!

Professora Dra. Olga Fleury,
Lali. UnB.
Setembro de 2009.
novembro de 2009

viagem de carro,
quase acidente,
 quase morte,
 posto de gasolina,
raiva,
 fome,
garçonete linda,
 relacionamento,
 esperança,
final de semana,
 viagem de volta,
 rompimento,
 acidente na mesma curva com o mesmo carro,
 morte.

17 novembro 2013

História de família.

O texto que se segue contém natureza puramente pessoal, e foi escrito com a intenção de registrar os fatos colhidos sobre a família do meu pai desde a minha adolescência.

João Ferreira da Silva nasceu na última década do século XIX, no então distrito de Inconfidência (hoje cidade de Coração de Jesus, no Norte de Minas Gerais). Sabe-se que era mulato. Desconhece-se o nome dos seus pais. Aos 13 anos de idade, órfão de pai, sua mãe casou-se pela segunda vez. João, que não gostava do padrasto, fugiu e juntou-se a uma "baianada" (nome dado ao grupo migratório de nordestinos que partiam em direção ao sul do país). 
Aparentemente caminharam durante alguns meses até passarem pelo município de Paracatu do Príncipe. João contraiu sezão (malária) durante a travessia do sertão do médio São Francisco, e foi deixado aos cuidados de um boticário (de nome desconhecido); que o apadrinhou. A baianada seguiu para o sul. João ficou na cidade de Paracatu. Embora tivesse nascido em Minas Gerais, ganhou a alcunha de João Baiano devido à forma como chegou a cidade.
Aos dezoito anos conseguiu através do padrinho um emprego de capataz na fazenda da viúva de Epifânio de Oliveira Barreiros, próximo a região da Serra das Antas, à noroeste da cidade de Paracatu. A viúva chamava-se Maria e tinha uma filha chamada Júlia de Oliveira Barreiros, de idade próxima a de João.
Não se sabe quando aconteceu, mas João casou-se com Júlia, e tornou-se dono da fazenda. O casal teve sete filhos, dentre os quais Salviana Ferreira da Silva foi a primogênita (hoje ela tem 103 anos). Não se sabe o motivo de os filhos terem sido registrados somente com o sobrenome do pai, visto que a família Oliveira Barreiros possuía certo renome na cidade, sendo conhecidos pela sina de tragédia da família e pela aparente "loucura" exacerbada por diversas gerações de casamentos consanguíneos entre primos próximos (hoje sabe-se que provavelmente tratava-se de transtorno bipolar, como será dito adiante).
O nome dos dois filhos homens era Geraldo F. S. e Joaquim F. S.
Geraldo, que nascera em agosto de 1927, saiu de casa aos 15 anos de idade após uma briga com o pai, tendo pedido ao pai parte de sua herança antecipada, o que lhe foi concedido. Não se sabe a quantia exata na época, porém Geraldo alegava ter gasto com jogo e mulheres. Sabe-se que ele tentou a sorte na região de Santa Luzia e São Sebastião dos Cristais (hoje Luziânia e Cristalina, Goiás). Nessa época andava com um revólver a tira-colo, Quando o dinheiro acabou, trabalhou em garimpo de cristais. Soube da notícia do adoecimento do pai (possivelmente recaída da malária mal curada) e regressou a Paracatu. Alega ter cuidado do pai (com 17 na época, quase todos os seus irmãos já haviam se casado, sendo os demais muito jovens). João tinha pouco mais de 50 anos. Geraldo voltou a morar com os pais e a cuidar da fazenda. Nessa época começou a ser conhecido como Geraldo Baiano, devido à alcunha do pai.
Em algum ano entre 1934 e 1940, dona Júlia Barreiros Ferreira faleceu devido a complicações na frágil saúde. Durante esse mesmo período, Geraldo Baiano quase matou um rapaz que pisara repetidas vezes no seu pé em um baile, por ciúme da parceira de dança. Depois desse incidente, o mesmo jurou nunca mais dançar e nem andar armado. Aprendeu então a tocar em serestas e bailes, que não deixou de frequentar - só de dançar. Tocava acordeon e violão (hábito que manteve até o final da vida).
No ano de 1950, conheceu a jóvem Célia Leite, filha de Joaquim Leite e Amelia Gotlib (filha de Gaspar Gotlib, alemão). Célia tinha então 13 anos de idade, 10 anos mais nova que Geraldo. Este, encantado com a beleza da moça, pediu a mão ao pai, prometendo que dentro de um ano eles se casariam (assim que a moça completasse 14 anos).
Durante este ano, ainda assombrado com as histórias de garimpo e riqueza que ouviu nas cidades de Santa Luzia e São Sebastião, vagou o noroeste mineiro procurando alguma terra que tivesse qualquer indício de riqueza no sub-solo. Geraldo encontrou terras para comprar na região conhecida como Aldeia, há 80 km a norte da cidade, em direção a Capim Branco (hoje Unaí). Aquela região fora uma Aldeia indígena em tempos remotos (Tronco Tupi) e ainda hoje pode-se ver buracos circulares no chão onde os mesmos realizavam suas cerimônias religiosas. Convenceu o pai a vender as terras na Serra das Antas e comprou 500 alqueires de terras entre o "Cabavida" e o ribeirão d'Aldeia. Jurou a vida inteira que a noite podia ver uma luz branca faiscante no meio da Serra, em frente a casa. Julgou que fosse alguma gema minério. Infelizmente, estava errado.
Realizada a transação, Geraldo Baiano regressou a casa de Joaquim Leite e desposou Célia, que passou a se chamar Célia Leite Ferreira. Após o casamento Geraldo contratou um avião monomotor para cuidar do translado da jovem Célia e do idoso João Baiano até a nova casa, enquanto ele ia por terra transportando o gado e os pertences de maior porte. O avião era um monomotor da década de 1940, que atingia velocidades de até 190 km/h. Estima-se que a viagem aérea tenha durado menos de 25 minutos, enquanto Geraldo demorou dois dias para chegar com o gado e os pertences. O ano da mudança foi 1951. Joaquim Baiano tinha então em torno de 60 anos e tinha a saúde bem debilitada.
A primeira filha nasceu no ano de 1952, recebeu o nome Iris do Carmo Ferreira da Silva. Iris nasceu com os cabelos dourados e olhos claros (ascendência teutônica da mãe). Por tal motivo, Geraldo Baiano a chamava de dama de ouros (carta do baralho português, ou barulho "comum" no brasil). No jogo de truco para seis pessoas, a primeira e mais importante carta do baralho é a dama de ouros, sendo portanto que para Geraldo aquilo era um elogio. 
João Baiano faleceu em sua cama entre no ano de 1954. O mesmo costumava a se levantar antes do nascer do sol e sempre que a saúde permitia, ia ajudar o filho na lida com o curral ou com o plantio. Geraldo Baiano enterrou o pai nos pés da Serra Cabavida, em baixo de uma castanheira de Baru. A árvore poderia ser avistada da janela oeste da casa, porém Geraldo iniciou naquele ano um plantio de cana-de-açúcar que cultivava alta, e cobria a visão da castanheira.
O primeiro filho homem do casal recebeu o nome do avô: João Ferreira da Silva. Este não se parecia fisicamente, pois nasceu claro, com os olhos muito verdes. Os demais filhos homens foram chamados de Antonio Marcos F. S. e Benedito Geraldo F. S. (filho caçula). Ao todo, foram 11 filhos (8 mulheres e 3 homens). Geraldo contraiu mal de chagas muito cedo, com pouco mais de 30 anos. E devido a descoberta da doença, passou a vida tomando remédios. Mais tarde, descobriu-se também que ele tinha transtorno bipolar, doença que provavelmente herdou da família materna. Isso explicava as oscilações de humor e ânimo que sofreu durante os anos após a morte do pai.
Geraldo Baiano construiu o primeiro Grupo Escolar da região da Aldeia de Cima (neste instante, já território do município de Unaí). O fez sem auxílio da prefeitura. Uma de suas filhas, Benedita, foi a professora deste grupo por muitos anos, mesmo quando o mesmo foi integrado pela rede municipal de educação.
Geraldo foi um pai atencioso e um bom avô: gostava de contar histórias para os netos e a ensinar as rezas e tradições da igreja católica. Nos dias mais animados, tocava violão pela manhã e ensinava aos netos a cuidar do gado e a ordenhar. 
Célia e Geraldo Baiano (1984). No fundo, encosta da Serra do Cabavida.

Geraldo era meu avô e faleceu aos 77 anos em 9 de setembro de 2004. Esta é a síntese da história da família de meu pai, Antonio Marcos F. S., e ambienta boa parte da minha infância na fazenda da família, pela qual sou muito grato. Conhecer a história por trás de cada elemento presente na convivência familiar ajuda a explicar muita coisa, inclusive a sua forma de pensar e a natureza da sua base moral.
Em julho de 2007, eu cursava o segundo ano do curso de Geologia, e embora não tivesse muito conhecimento, resolvi percorrer a pé as serras da fazenda da família, procurando o minério que meu avô alegou. A única coisa que encontrei foi a antiga sede da fazenda extremamente deteriorada, arcóseos e arenitos (que não possuem valor comercial) e a castanheira onde meu bisavô fora enterrado.

Guilherme Ferreira da Silva