11 agosto 2009

História Curtíssima


Era a terceira atriz com quem eu havia ficado junto em menos de um ano. Não sei exatamente o que é, não procuro conscientemente esse tipo de mulher, mas pensando melhor vejo que se todas passam a vida fingindo, é melhor que eu esteja pelo menos com alguém que seja convincente. Estávamos juntos há tempo suficiente para ela conhecer minhas manias e suportar minhas ausências; era o que poderíamos chamar de relação estável: e isso me agradava incrivelmente. Tanto que cheguei a ponto de comprar uma aliança - de ouro - e queria pedi-la em noivado. A idéia do casamento não passava pela minha cabeça, com o dinheiro da bolsa do mestrado eu mal conseguia pagar as contas, eu já não vendia uma história há um bom tempo, mas já vínhamos morando juntos há dois meses e o noivado era uma das melhores formas de regularizar a situação para com a família dela, extremamente tradicionalista.

Ela iria estrear naquele dia uma peça de um filósofo francês vesgo que em meados do século XX se metera a dramaturgo; e naquele dia durante o café da manhã Carolina - esse era o seu nome - era toda "mon amour", "la colline des roses" e "Je déteste les mois de décembre". Sorria bastante e parecia animada quando eu saí de casa e a deixei recitando as suas falas e decorando as cenas, e quando lhe dei um beijo e descia as escadas fiquei sentindo o cheiro do protetor solar dela que me impregnou.

Naquela noite, sentei-me na terceira fileira e enquanto a cortina ainda estava baixa prendi minha atenção na plateia - ou na falta dela, porque poucas pessoas haviam se interessado pela peça e aquela sala de teatro no setor de autarquias norte estava realmente entregue "às moscas". Havia alguns senhores de idade espalhados pela platéia e uma única família composta provavelmente por mãe, pai e filho e o menino não parava de reclamar dizendo que preferia estar em casa. Logo as luzes se apagaram e a cortina subiu, e ainda na primeira parte pude ver Carolina ajoelhada num cenário que imitava uma ruela suja, estava se lamuriando por algo que não pude entender.

O primeiro ato foi extremamente ruim e eu esperava que a peça melhorasse nos que viriam a seguir. Ela havia atuado muitíssimo mal, porque dava pra ver que o choro era extremamente forçado assim como o falso sotaque francês e isso me deixava irritado - eu sabia que ela era melhor do que aquilo. Por isso, cheguei a conclusão de que era proposital, mas por que diabos ela estava agindo assim?

Acho que comecei a cochilar, mas não tenho certeza porque meu estômago doía tanto naquele dia que duvido que eu tenha realmente pegado no sono e um senhor idoso vestido com roupas bastante antiquadas se postou do meu lado e chamou meu nome duas vezes. Vi que ele tinha um frio sorriso com uma cortesia distante, e logo que eu parecia recuperado do atordoamento que sofremos ao sermos despertados, ele me disse para acompanhá-lo até os bastidores. Segui por trás da cortina lateral e vadeei pela penumbra, quase tropeçando em um algo coberto por um forro branco ou um lençol, parei onde me ordenaram e aquele senhor com as roupas antiquadas me deu algo envolto num pano, pedindo que eu segurasse. Fiquei assim por alguns minutos, meio que tentando acostumar os olhos com a escuridão e quando finalmente consegui, notei que estava num palco, onde haviam móveis figurando um cenário que não pude reconhecer como sendo da peça.

Repentinamente uma cortina subiu ao meu lado e as luzes fortes dos refletores fizeram meus olhos doerem, e mais uma vez demorei a me acostumar com o ambiente. O que me chamou atenção naquilo foram os aplausos, então eu me dei conta de que estava realmente num palco. Os aplausos começaram fortes e foram morrendo aos poucos, a medida que alguém irrompia uma gargalhada ao meu lado então eu pude olhar abismado para as cadeiras vazias - quem estava aplaudindo então?

Ainda confuso, notei que as gargalhadas continuaram, então pude ver que a coisa coberta que eu quase tropeçara eram duas pessoas deitadas no que parecia uma cama baixa e cobertas com um lençol branco, (...)