30 novembro 2009

A Carioca

Ela era uma tremenda mulher! Daquelas que deixam a gente com vontade de levar pra casa. Por diversas vezes eu realmente tentei, mas antes de efetivamente conseguir ela sempre sorria furtivamente e me dizia um não tão doce que eu não sabia exatamente se me dispensava por asco ou por eu ser um canalha pobretão, tão canalha quanto pobretão, vale ressaltar - porém tenho que dizer que ainda levo certo jeito para a coisa em si.

Aos que não me conhecem, vou me descrever. Sou um velho guará sarnento, como já me chamaram, que trabalha há 25 anos no mesmo departamento do Mistério da Fazenda. Aos olhos de quem me vê, sou um homem que já passou da casa dos 50, com cabelos grisalhos sempre penteados para trás, barba cobrindo o rosto e vestido todos os dias com o mesmo terno cinza fosco cheio de pequenas queimaduras de cigarro. Aliás, no final do dia eu normalmente acendo um charuto e vou fumando com um sorriso pelo caminho entre o ministério e a estação de metrô. Já me disseram que eu tenho um riso de velho safado e, no caso, acho que o velho foi maior ofensa do que o safado.

Já ela, hmm, ela era linda. Mas linda mesmo. Tinha aquele rabo grande que boa parte das cariocas têm, mas não era só isso. A carne macia dos vinte e poucos, a voz sibilante, a cara de falsa inocente e as coxas que as vezes apareciam pela abertura lateral do vestido quando ela se sentava, e bom deus (se é que deus é mesmo bom e gosta de mulher, porque eu não sou muito entendido. Entendido sobre deus, porque eu entendo de mulher), eu sempre chegava cedo para surpreendê-la se sentando pela manhã. Mas enfim, o que importa é que certa noite de chuva eu saía do ministério pelo prédio anexo pensando em como eu acenderia meu charuto com essa merda de tempestade em pleno setembro, onde é que já se viu isso? e lá estava ela, discutindo com o babaca do namorado dentro de um Renault preto. Fingi que ia esperar a chuva parar e fiquei debaixo do abrigo da entrada só assistindo a briga. Não ouvia nada, mas o babaca parecia negar alguma coisa e ela tinha cara de choro. Acendi meu charuto e como quem não quer nada comecei a procurar por um guarda-chuva na maleta que levo sempre comigo. Tudo indicava que ela estaria solteira hoje e eu não ia dar espaço pra outro.

Para minha sorte ela saiu do carro gritando e o filho da puta saiu cantando os pneus, que o diabo o carregasse, porque pra dispensar uma coisinha dessas ele só deve ser burro ou bicha, coisa que eu não era, nem um nem outro. Corri com o guarda-chuva aberto para cobri-la da chuva. Ela mal me viu e me abraçou e como eu suspeitava ela estava chorando. Consolei-a durante mais de uma hora, levei-a até o metrô e de lá pegamos o trem para minha casa. Sentamos num cantinho do último vagão, o que foi difícil por causa da quantidade de gente mas em tudo dá-se em jeito, hehe. Ela chorava no começo e eu fui dizendo que ele não a merecia, que ele devia ser bicha e que ela devia esquecê-lo. Antes que chegássemos em casa eu já tinha conseguido convencê-la a ter raiva do babaca. Levei-a para dentro de casa, fechei a porta e ofereci algo pra beber. Ela quis conhaque mas eu disse que só tinha vodka. Bebemos, eu sempre servindo um copo bem grande para os dois, mas ela bebia mais rápido do que eu. Quando percebi, ela chegou perto de mim me abraçando e dizendo que eu era muito bonzinho, que eu cuidava dela e que ela sempre percebia quando eu olhava para as pernas dela, como eu a queria, eu a queria não é? Sim, eu dizia, eu queria muito. Daí em diante foi só um pulo.

Levei-a para o quarto e coloquei-a na cama, beijei a boca dela me deitando ao lado, mordi o pescoço, beijei o ventre, beijei a coxa e naquele instante me lembrei das prováveis horas da minha vida que eu passei olhando e desejando aquela coxa, cobiçando aquele corpo. Mordi-a com mais força e arranquei um naco da carne. Mordi denovo e denovo. Ela realmente era muito gostosa.

Então eu a comi. Literalmente.


Singela homenagem de um leitor a Charles Bukowski, o velho safado.

12 novembro 2009

Apenas medio elenco estable


me gusta mirar
la lluvia
que cae
por las
calles
en las tardes
de gris.


tarde o temprano
me vuelvo lejano
y quedo a pensar
se todo no pasa
de broma del
tiempo,
o se fuera feliz.

08 novembro 2009

O MONSTRO DO LAGO

Ei-la, do alto da sua cadeira almofadada, com uma régua de madeira nas mãos ela vigia a conduta da sua única aluna que termina um trabalho com lápis de cor. A professora usa os cabelos soltos, bem corridos, caídos sobre os ombros. A gravidade do seu rosto já dá indícios de um temperamento forte e do gênio voluntarioso que tem. As manchas perto da sua boca dão a entender que andou comendo chocolate recentemente... A professora é uma menina de quatro anos, que apesar da pouca idade, dirige a sua escola de uma única aluna com pulso firme. A aluna, sua prima, tem dezoito. Mas nem a grande diferença de idade impede a pequena ditadorazinha de impor a sua vontade sobre a pupila.
Cedendo à tentação a professora, usando a destra com habilidade invejável, começa também a colorir. Divide o papel com uma linha na porção inferior, desenha um retângulo fechado por um dos lados com a linha já traçada, um triângulo aproveitando a base oposta do retângulo, e assim, com traços decididos (como era de se esperar, do seu pulso firme de educadora de quatro anos de idade) termina o que pode ser visto como um prédio. Ou como uma nave espacial, tudo depende se as janelinhas são redondas ou retangulares.
Finalmente, dá uma folguinha para sua aluna e abandona a mesa da cozinha, mas não sem antes dizer um "fica comportadinha, viu?". Se dirige até o quarto do primo mais velho e o convida para brincar também. O primo a segura por debaixo do braço, levantando-a sobre a cabeça e dá um beijo na sua barriga. A professora aceita o destino com um estoicismo incrível, depois, o primo volta a professora pro chão firme e se joga na sua cama para retomar a leitura de um livro. "Brinca com a gente, Gui!" ela insiste, puxando-o pelo braço. O convence, mas seu poder de persuasão não é tanto quanto ela imagina. O primo invade a sala de aula, bagunça os lapis, belisca a aluna, que é sua irmã, morde a professora, rouba um copo com suco e um pão caseiro e retorna para o quarto. "Eu sou o Mooooonstro do LAAAAAGO", diz enquanto se serve do suco. A professora têm medo. A aluna, irritada, arruma a bagunça que o monstro do lago deixou na sala de aula. A professora então, assustada, diz que é preciso se proteger do monstro. A besta do lago ainda tem tempo de dizer um "Não se preocupa, o monstro do lago só aparece uma vez por mês!", daí bate a porta do seu quarto.
A pequena professora então conclui que o monstro do lago deve ser algum tipo de cobrador ou conta de luz. Pacientemente, retoma as atividades naquela escola instalada na cozinha de um apartamento da região metropolitana de Brasília. E a paz volta a reinar por aqueles lados.