08 novembro 2009

O MONSTRO DO LAGO

Ei-la, do alto da sua cadeira almofadada, com uma régua de madeira nas mãos ela vigia a conduta da sua única aluna que termina um trabalho com lápis de cor. A professora usa os cabelos soltos, bem corridos, caídos sobre os ombros. A gravidade do seu rosto já dá indícios de um temperamento forte e do gênio voluntarioso que tem. As manchas perto da sua boca dão a entender que andou comendo chocolate recentemente... A professora é uma menina de quatro anos, que apesar da pouca idade, dirige a sua escola de uma única aluna com pulso firme. A aluna, sua prima, tem dezoito. Mas nem a grande diferença de idade impede a pequena ditadorazinha de impor a sua vontade sobre a pupila.
Cedendo à tentação a professora, usando a destra com habilidade invejável, começa também a colorir. Divide o papel com uma linha na porção inferior, desenha um retângulo fechado por um dos lados com a linha já traçada, um triângulo aproveitando a base oposta do retângulo, e assim, com traços decididos (como era de se esperar, do seu pulso firme de educadora de quatro anos de idade) termina o que pode ser visto como um prédio. Ou como uma nave espacial, tudo depende se as janelinhas são redondas ou retangulares.
Finalmente, dá uma folguinha para sua aluna e abandona a mesa da cozinha, mas não sem antes dizer um "fica comportadinha, viu?". Se dirige até o quarto do primo mais velho e o convida para brincar também. O primo a segura por debaixo do braço, levantando-a sobre a cabeça e dá um beijo na sua barriga. A professora aceita o destino com um estoicismo incrível, depois, o primo volta a professora pro chão firme e se joga na sua cama para retomar a leitura de um livro. "Brinca com a gente, Gui!" ela insiste, puxando-o pelo braço. O convence, mas seu poder de persuasão não é tanto quanto ela imagina. O primo invade a sala de aula, bagunça os lapis, belisca a aluna, que é sua irmã, morde a professora, rouba um copo com suco e um pão caseiro e retorna para o quarto. "Eu sou o Mooooonstro do LAAAAAGO", diz enquanto se serve do suco. A professora têm medo. A aluna, irritada, arruma a bagunça que o monstro do lago deixou na sala de aula. A professora então, assustada, diz que é preciso se proteger do monstro. A besta do lago ainda tem tempo de dizer um "Não se preocupa, o monstro do lago só aparece uma vez por mês!", daí bate a porta do seu quarto.
A pequena professora então conclui que o monstro do lago deve ser algum tipo de cobrador ou conta de luz. Pacientemente, retoma as atividades naquela escola instalada na cozinha de um apartamento da região metropolitana de Brasília. E a paz volta a reinar por aqueles lados.

4 comentários:

eloisa disse...

Ahhhhhhhhh, eu adoro as tuas narrativas! Eu consigo ler sem parar; sabe quando você começa e quer chegar logo ao fim, tipo nos livros do Vargas Llosa? Então, aqui também. (:

E agradeço a dica, vou ouvir Jorge Drexler! ;)

Tenorius disse...

Por isso que não se deve permitir a matrícula de seres lacustres em escolas infantis...

may disse...

Gosto dos teus textos, fazia tempo que não vinha aqui :~

Clara disse...

oO eu JURAVA que tinha enviado um comentário pra esse texto ontem, mas enfim...
gostei muito, tá super fofa a narrativa, e eu me vi nessa história, já passei por isso com tantos primos... haha
(pena que eu nunca consegui fazê-los acreditar que eu era um monstro... crianças podem ser tão blasé as vezes...)
hahaha
bjs