21 março 2009

ESMURRANDO O GELO DO PEIXE



Em uma dessas noites

em que os vagabundos rondam as ruas a procura de algum pato e as putas se oferecem por um preço camarada no Setor Hoteleiro Sul, eu e alguns amigos vagueávamos pelo estacionamento do estádio a procura do carro e de algo pra fazermos, porque a noite mal havia começado e o show que acabara há pouco deixou em todos a vontade de prolongar aquela sensação o máximo possível.

Éramos ali no número de quatro: Rufão, o mais velho entre nós e dono do carro; Maru, um ex-colega de faculdade; Alma, namorada do Rufão e eu, que depois de alguns tragos já não me sentia muito deslocado ali, como eu fico quando estou cercado de muita gente - o estacionamento estava lotado de fãs que acabavam de sair do estádio.

- Então, qual vai ser? perguntou Alminha. A gente podia beber alguma coisa.. Ainda dá tempo de ir ao Pão de Açúcar pra comprar umas biritas.

- Rola de ir pra algum lugar também... Tem uma galera se reunindo agora em volta da torre de tevê. A gente podia ir pra lá depois de comprar bebida.

Como ninguém foi contra, acabamos entrando no carro e seguindo um caminho tortuoso até o mercado, talvez tivéssemos furado uns dois sinais, mas ninguém ali parecia se importar. Chegamos ao estacionamento do mercado, e encontramos alguns caras vestidos de preto, bebendo do lado de fora do carro e falando alto; diziam qualquer coisa, acho que o que importa nesses momentos é beber e falar, não importa o que. Entramos no mercado a procura da bebida, vasculhamos alguns corredores e acabamos nos decidindo por algumas latas de cerveja, que infelizmente estavam quentes.

- A gente pega o gelo do peixe, sempre rola. Disse Alminha, sorrindo e caminhando pro fundo do mercado.

Eu a acompanhei, pegando antes um saco plástico e uma cesta pra colocarmos o gelo ali. Logo começamos a cavar aquele gelo e colocá-lo no plástico, mas depois de algum tempo, as mãos já estavam queimadas e não havia quase nada no saco.

- Dá licença, eu disse, e me aproximei de um canto do suporte. Dali, comecei a esmurrar aquela camada de gelo, que apesar de grossa, não estava totalmente consolidada. Um, dois, três murros com a falange da mão direita bem fechada, e já conseguíamos fazer o trabalho render dessa vez. Seriam muitas latas de cerveja, portanto precisaríamos de muito gelo. Os caras foram se aproximando de nós, com outra cesta na mão, cheia de latinhas de alguma cerveja barata. Eu continuei e esmurrar o gelo, enquanto a Alminha recolhia e colocava dentro do plástico. No último murro, cortei a mão, que começou a sangrar de leve.

- O ego masculino é muito frágil; disse o Rufão pro Maru, olhando a cena.

- Acho que isso tudo é culpa da geologia.

Ri daquilo, mas tive uma vontade de que se calassem. Pegamos nossas coisas e acabamos não indo pra torre de tevê. Fomos parar numa festa no alojamento universitário. Localizamos o bloco, nos informamos com o porteiro e começamos a subir aqueles degraus que pareciam não acabar. Foram quatro lances de escada até chegarmos no andar certo. Não havia música, mas um cara pelado passou pelo corredor com uma cara de dopado. Fiz uma careta, meus amigos tentaram agir com naturalidade. Abrimos a porta do 202 e entramos num daqueles apartamentos sombrios da Casa dos Estudantes Universitários. Paredes cruas de concreto pintadas de um branco já encardido, uma escada em espiral que levava ao andar de cima; pois aqui os apartamentos são pequenos cubículos de dois pisos, onde moram 4 pessoas em cada, janelas de vidro que davam de frente a um gramado que separava os dois blocos.

- Boa noite! Um cara sorridente e com ar de chapado veio até nós na porta. A Alminha correu pra abraçar uma amiga lá dentro. Uma música, agora evidente, preenchia o ambiente e as pessoas dançando disfarçavam a falta de móveis do apartamento. Acho que tocava Jorge Ben, não sei dizer.

- Boa noite amiguinhos... Eu sou o Rogério. Você é? E você? E você? Ah, Maru, Rufão e Guilherme. Um... Eu só bebi três vezes na minha vida. Hoje é a terceira, sabia? Rufão, Gustavo e Maru, né? Logo se vê que essa camisa não é minha, porque eu tenho o braço todo bronzeado, tá vendo? e mostrava o braço pra nós três. Com a cerveja na mão, rimos da situação do coitado e fomos colocar as outras latas dentro da geladeira. Só aí eu percebi que minha mão fedia a peixe do gelo que eu havia quebrado a socos.

Descemos pro carro pra pegar qualquer coisa, e na volta encontramos a Alminha descendo as escadas descalça.

- Eu preciso caminhar na grama. disse e passou por nós. Demos de ombro, pensando em ir embora dali. De uma sacada falamos disso com ela, que andava na grama sozinha, lá embaixo.

- Tudo bem, mas pega a minha sandália!

Acho que nenhum de nós estava disposto a voltar ao apartamento e ouvir a conversa dos bêbados ali dentro. De bêbados já bastava a nossa intenção de estar. Acabei subindo, mais pra buscar a cerveja que tinha ficado na geladeira do que por vontade. No alto da escada me deparei com três pessoas que olharam de lado, talvez se perguntando quem eu era, e no corredor vi o tal Rogério vagueando quase pelado por ali. Eu me perguntava onde estavam as garotas, e em que merda de festa eu me metera. Entrei sorrateiro no apartamento, peguei as cervejas e a sandália da Alminha e caí fora dali.

Dentro de uma hora, o Maru e eu estávamos pegando o último ônibus pra casa. Sentei-me do lado de uma moça bonita, que usava um short indecente e uma jaqueta de couro toda fechada, mesmo naquele calor. Comecei a puxar papo, mas logo percebi que ela se esquivava de algumas perguntas, como se tentasse se proteger ou esconder algo.

- E você pega esse ônibus todos os dias de madrugada? perguntei

- Sim. Chego bem tarde em casa.

- Que merda, hein? disse, realmente compadecido.

Dei mais uma olhada nas pernas bonitas que ela tinha, tentando ser discreto, mas alcoolizado o suficiente pra ser evidente. A jaqueta de couro fechada, mesmo naquele calor, me intrigava - É puta, concluí baseado nestes fatos, embora nem sentisse compaixão por ela, ao contrário, sentia até alguma simpatia. Talvez fosse a cara de menina ou as pernas bonitas, já nem sei. Como ela se demonstrou receptiva na conversa, mas bastante esquiva, decidi dormir e pedi pra que ela me acordasse depois do viaduto. Cheguei em casa mais tarde me sentindo um pouco como Charles Bukowski, por viver aquilo tudo. Mas logo que me despi e me atirei na cama de qualquer forma, deixei pra trás o cheiro de peixe, o corte na mão direita e a puta do ônibus.

Acordei várias horas depois com alguma ressaca, mas não o suficiente pra ficar na cama. Havia deixado na noite anterior tudo o que acontecera, mas a sensação de ser miserável como Bukowski ainda não havia passado, e não passa até hoje.

Pois é, pior pra mim.

2 comentários:

Ane Gottlieb disse...

Primooo...
que talentooo ein
olha que você pode se tornar um grande cronista..
imagina que "chiki de duer"
kkk
pra quem nasceu pra brilhar é fácil não é!?!
te adoro!

Rfl disse...

eu sou rufão